Coletivo Enecos Brasília/DF

31.8.09

Conferência pra quem?

Carta do professor Marcos Dantas ao Paulo Miranda, vice-presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários, comentando a posição da entidade perante a Conferência Nacional de Comunicação:

Prezado Paulo,

Em primeiro lugar, qualquer debate, sobretudo numa lista aberta como équalquer lista na internet, deve ser travado em termos muito elevados.Não é o seu caso, evidentemente, mas é um alerta geral, face algumasmensagens que já começam a circular por aí.
Em segundo lugar, estou-me dirigindo diretamente a você, ou à ABCCom,para tentar ajudar, no que me for possível, a esclarecer o problemacom o qual nos defrontamos neste momento.

Há uma questão geral e uma questão específica.

Falemos, primeiro da questão geral. Uma conferência, qualquer queseja, é um encontro da sociedade civil com o Estado, visandoconstruir, democraticamente, políticas públicas. Neste sentido, Estadoé mais do que o governo, embora o governo lidere o Estado. E sociedadecivil é o conjunto de entidades e, também, individualidadesrepresentativas dos muitos interesses e muitas concepções queconstituem a sociedade. Uma conferência pode, assim, pactuar o tamanhodas representações do Estado e da sociedade (20/80, 30/70... 50/50...80/20...), mas nem cabe à sociedade dizer como o Estado distribuirá asua própria representação (tantos do Executivo, tantos do Legislativo,ministro este ou ministro aquele...), nem cabe ao Estado dizer como asociedade distribuirá a sua própria representação.Apenas a sociedadetem esse direito de decidir sobre si mesma.

Como o Estado e, principalmente, um governo eleito representam asociedade, também não cabe a eles assumir, ao menos em princípio (esem entrar em discussões sobre caráter do Estado etc.), posturas afavor deste ou daquele conjunto social mas, antes, arbitrarem osconflitos buscando conduzir as divergências, quando inconciliáveis (e,na sociedade, há divergências inconciliáveis), na direção mais próximapossível à do consenso. Não se pode porém aceitar que o Estado nem ogoverno, desde o início se ponham a advogar a posição de um dos pólosde qualquer conflito, ao invés de buscar encaminhamentos que possamlevar aos acordos possíveis.

Também não pode qualquer representação da sociedade, nem a sociedadeem seu conjunto, aceitar pressões do Estado ou do governo. O direitoexclusivo de pressionar cabe à sociedade. Ao Estado compete aceitar aspressões e conduzir os processos conforme possa fazê-lo em função daspressões e contra-pressões. O Estado ou governo que pressionam sãoestados ou governos autoritários. A sociedade que aceita pressão, ésociedade servil. Pior ainda é um governo que se coloque objetivamentena condição de partidário de um dos lados do conflito na sociedade. Emuito pior quando falamos de um governo que acreditávamos eleito pelostrabalhadores para, se fosse o caso, se pôr do lado dos interesses dostrabalhadores...

Dito isto, soubesse este governo o seu lugar, estaria agora dizendo: aconferência será feita, as datas estão marcadas, a verba está aqui,vocês apareçam. E a sociedade apareceria. Alguns membros dela talveznão, assim como, em todas as eleições, cerca de 25% das pessoas deixamde comparecer apesar do voto compulsório. A ausência também diz dasociedade que somos.
Assim posto, a questão específica é: uma parte da sociedade estádizendo que somente participará da Iª Confecom se forem aceitas regraspor ela exigidas. Tem todo o direito de dizê-lo.

E tem todo o direitode não participar.

Outra parte da sociedade, porém, pode considerar que a Iª Confecommuito perderá se nela não estiverem presentes os mais distintos e atécontraditórios segmentos. Terá, neste caso, o dever de buscarencontrar, em negociação direta com o seu oposto, o consenso possível.Mas não o consenso que seja visto como opção entre a guilhotina e aforca... Este é o primeiro ponto que precisa ficar claro: os doislados têm que ceder. E o governo, se quiser ajudar, tem que sugerirperdas e ganhos para os dois lados. Se não for assim, melhor que façaapenas a sua parte operacional, e se ponha à margem da disputapolítica interna à sociedade.

É por isto que, neste momento, o governo precisa saber que o movimentopopular não cederá. É por isto que, neste momento, o governo precisadizer se é governo, ou apenas representação disfarçada de um dos ladosda sociedade. Se for isto, já entramos muito mal na conferência, comum dos lados pesando bem mais do que o(s) outro(s), quaisquer quesejam as proporções e quori que venham a ser definidos, se vierem.Esta disputa, meu caro Paulo, é para levar o governo a também conhecero seu lugar... ou confessá-lo.

Caso o governo, chegando ao limite, assuma o ônus de dizer, se não forconforme as suas regras, não haverá Confecom, poderemos então rever ostermos da discussão. Já sabendo que as regras do governo são aquelasdo... capital.
Saudações fraternas,

Marcos Dantas
Prof. Escola de Comunicação da UFRJhttp://www.marcosdantas.com.br

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